Burberry: o xadrez que redefiniu o luxo britânico
- Eduarda Sodré
- 22 de mai.
- 3 min de leitura

Dentro da história da moda contemporânea, poucos elementos visuais carregam tanto peso simbólico, cultural e mercadológico quanto o icônico “Burberry Check”. Trata-se não apenas de um padrão de xadrez, mas de uma construção identitária que transcende o vestuário e se consolida como um verdadeiro emblema da sofisticação britânica e da evolução do luxo moderno.
A gênese desse símbolo remonta ao ano de 1924, um marco decisivo na trajetória da maison britânica fundada por Thomas Burberry. Originalmente introduzido como forro exclusivo dos trench coats, peça já consagrada pela funcionalidade e pela elegância utilitária, o Burberry Check foi concebido a partir de uma releitura sofisticada do tartan escocês. Este último, por sua vez, possui raízes ancestrais na cultura celta e funcionava como um marcador visual dos clãs das Terras Altas da Escócia. Ao reinterpretar esse código visual tradicional em uma paleta de cores singulares, bege suave, com sobreposições de linhas pretas, brancas e vermelhas, a Burberry traduziu em tecido uma síntese perfeita entre o legado britânico e a inovação estética.
Esse movimento de apropriação e ressignificação não foi aleatório. Ele representava, já na década de 1920, uma visão de marca que entendia a importância da identidade visual como ativo de valor. Ao patentear o padrão em 1924, a Burberry não apenas protegeu sua originalidade frente a possíveis imitadores, mas lançou as bases para aquilo que, décadas mais tarde, viria a ser compreendido como “branding” de luxo, muito antes de o conceito se tornar central no mercado fashion global.
Durante o século XX, o Burberry Check passou por transformações significativas, ora sendo associado à aristocracia britânica e às elites urbanas, ora ganhando novas leituras em subculturas como o punk e o streetwear britânico dos anos 1990 e 2000. Essa dualidade é, talvez, uma das características mais fascinantes do padrão: sua capacidade de adaptação sem perda de identidade. O xadrez da Burberry tornou-se um terreno simbólico onde se cruzam tradição e rebeldia, elegância clássica e atitude urbana.
A virada dos anos 2000 foi um período particularmente complexo e revelador para o Burberry Check. O padrão começou a ser amplamente falsificado e passou a ser associado, em alguns contextos, a uma estética “chav” (gíria pejorativa usada no Reino Unido para descrever grupos populares). Esse fenômeno quase comprometeu o prestígio da marca. No entanto, o reposicionamento estratégico liderado por Christopher Bailey e Angela Ahrendts, entre os anos de 2006 e 2014, foi crucial para restaurar o valor simbólico do xadrez. Por meio de campanhas meticulosamente orquestradas e colaborações com talentos emergentes da música, cinema e arte, o Burberry Check foi reintegrado ao universo do luxo aspiracional.
Hoje, mais de um século após sua criação, o Burberry Check permanece como um dos códigos visuais mais poderosos da moda internacional. Ele não é apenas uma estampa, é uma linguagem. É possível rastrear sua influência em coleções de diversas casas de moda que bebem da estética britânica, além de observar seu papel como ponto de convergência entre tradição e modernidade em tempos de hiperconectividade cultural. Ele representa a permanência de valores como elegância, sofisticação e funcionalidade, mas traduzidos em um contexto contemporâneo que exige autenticidade, posicionamento e propósito das grandes marcas.
Além disso, o xadrez da Burberry se tornou uma plataforma de diálogo entre o passado e o presente. A marca tem utilizado o padrão como veículo para narrativas mais inclusivas, lançando coleções que celebram diversidade étnica, identidade de gênero fluida e sustentabilidade, temas que ressoam fortemente com as novas gerações de consumidores conscientes. A estampa tornou-se, assim, um território simbólico de representatividade e transformação, onde o luxo tradicional se encontra com as demandas éticas e sociais do século XXI.
O Burberry Check, portanto, não é apenas uma referência visual consolidada, mas uma ferramenta estratégica para reinvenção e continuidade. Ele permite que a marca mantenha seu DNA intacto enquanto atualiza sua linguagem para dialogar com os tempos atuais. Esse equilíbrio entre consistência e inovação é o que mantém o padrão relevante, inspirador e comercialmente potente.
Em síntese, o Burberry Check é muito mais que um detalhe estético. Ele é uma manifestação têxtil de um ethos britânico, um símbolo de herança cultural que dialoga com o tempo sem jamais se curvar ao efêmero. É a prova de que, na moda, os grandes ícones são aqueles que permanecem relevantes ao saber se transformar, sem jamais perder a alma. Ele continua a ser uma lição viva de que estilo verdadeiro está na intersecção entre memória, presença e visão de futuro.
Eai, SF Reader? O que acha dessa identidade?



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