Armani, o arquiteto eterno da elegância moderna
- Eduarda Sodré
- 16 de set.
- 5 min de leitura

A história de um homem que reinventou a moda e construiu um império independente no luxo
Ao longo de 91 anos de vida e meio século à frente de sua maison, Giorgio Armani escreveu um capítulo singular na moda. Nascido em Piacenza, no norte da Itália, o criador conseguiu atravessar décadas de mudanças culturais, econômicas e estilísticas mantendo-se fiel a uma visão sóbria, elegante e atemporal. Mais do que roupas, Armani construiu um universo. Uma estética que não se curvou ao efêmero e se transformou em sinônimo de poder, discrição e desejo.
Um começo fora do roteiro
É curioso pensar que Armani quase se tornou médico. Chegou a ingressar no curso de Medicina em Milão, mas abandonou a carreira ao perceber que não era sua verdadeira vocação. O destino o levou, no final dos anos 1950, para a área criativa da loja de departamentos La Rinascente, onde atuou como vitrinista e comprador. Essa experiência foi fundamental: ali ele aprendeu a observar consumidores, entender o apelo visual dos produtos e traduzir desejos em imagem.
A grande virada veio em 1975. Sem herança, sem financiadores poderosos, Armani apostou todas as suas fichas na própria intuição. A história conta que vendeu seu carro para levantar o capital inicial e, junto de seu companheiro e sócio Sergio Galeotti, fundou a Giorgio Armani S.p.A. O risco deu origem a uma das maiores histórias de sucesso do mercado de luxo contemporâneo.
A ruptura na alfaiataria
A primeira assinatura criativa de Armani foi repensar a alfaiataria, um território considerado intocável até então. Enquanto a Savile Row, em Londres, preservava a rigidez dos ternos britânicos, Armani propôs outra lógica: paletós sem forro, ombros suavizados, tecidos leves e caimento natural. O resultado eram roupas que mantinham a sofisticação, mas com uma leveza quase mediterrânea.
Essa nova silhueta conquistou homens de negócios e artistas ao redor do mundo, ao mesmo tempo em que libertou as mulheres da formalidade engessada. Nos anos 1980, muitas executivas adotaram o “power suit” assinado por Armani, que transmitia autoridade sem perder feminilidade. Era o nascimento de um novo uniforme urbano.
A ciência da cor
Se as formas marcaram uma revolução, a cartela cromática de Armani consolidou sua identidade. Desde o início, ele preferiu tons discretos, quase empoeirados, que parecem sempre filtrados por uma sombra suave. Pretos profundos, azuis noturnos, cinzas sofisticados e rosas delicados compõem sua paleta atemporal.
Mas nenhum tom é mais ligado ao seu nome do que o greige, mistura entre cinza e bege que pode se adaptar a variações de luz e de estação. Esse tom híbrido, aparentemente simples, tornou-se símbolo do estilo Armani: minimalista, versátil e universal. Não é exagero dizer que Armani tratava a cor com a mesma sensibilidade de um pintor impressionista, buscando sempre nuances, vibrações e efeitos de luz.
Fascínio pelo Oriente
Ao longo de sua carreira, Armani olhou para além do Ocidente. Sua relação com culturas asiáticas, da China à Índia, passando pela Ásia Central, forneceu elementos que suavizavam a rigidez de sua estética minimalista. Inspirado por bordados, tecidos nobres e formas alongadas, o estilista incorporou detalhes orientais de modo equilibrado, evitando exotismos fáceis ou apropriações desrespeitosas.
Esses “orientalismos Armani” eram menos sobre cópia e mais sobre diálogo: uma forma de conectar sua linguagem milanesa com referências globais.
A construção de uma imagem inconfundível
Se o produto era impecável, Armani também sabia que a moda precisava ser narrada visualmente. Sua parceria com o fotógrafo Aldo Fallai, que durou mais de três décadas, moldou uma iconografia única. Campanhas em preto e branco, iluminação dura, personagens enigmáticos: tudo isso criou uma identidade reconhecível em qualquer parte do mundo.
Armani não vendia apenas roupas, mas um estilo de vida visual, uma atmosfera de sofisticação contida que se tornaria sua marca registrada.
O salto para o cinema
Hollywood sempre teve relação com a moda, mas Armani elevou essa parceria a um novo patamar. Em 1980, o filme Gigolô Americano, de Paul Schrader, trouxe Richard Gere inteiramente vestido em Armani. O guarda-roupa não apenas vestia o personagem, mas definia sua personalidade, marcando um momento histórico em que moda e cinema se tornaram aliados poderosos.
Depois disso, Armani virou presença constante em filmes, vestindo atores em produções de grande impacto. Era mais do que marketing: era a consagração de sua estética como linguagem cinematográfica.
Estrela dos tapetes vermelhos
A relação com o cinema se ampliou naturalmente para os tapetes vermelhos. Armani foi pioneiro em profissionalizar o ato de vestir celebridades para premiações, criando um departamento voltado apenas para isso. Nos anos 1970, convenceu Diane Keaton a subir ao palco do Oscar com um blazer masculino, gesto ousado que antecipou discussões sobre gênero na moda.
Nos anos seguintes, vestiu ícones como Julia Roberts, que em 1990 quebrou convenções ao usar terno e gravata em um evento oficial. Com esses gestos, Armani redefiniu o glamour hollywoodiano, substituindo o excesso pelo refinamento.
Um império independente
Ao contrário de outras marcas, Armani resistiu à tentação de vender sua maison para conglomerados como LVMH ou Kering. Preferiu manter sua empresa familiar, transformando-a em um universo de lifestyle completo. Além das linhas de roupas, lançou perfumes, cosméticos, óculos, decoração, doces, flores, hotéis e restaurantes.
Tudo, do design de interiores à gastronomia, seguia o mesmo princípio: sofisticação minimalista, luxo sem ostentação, beleza discreta. Armani não apenas vestiu pessoas; ele criou um modo de viver Armani.
O legado e o futuro
Giorgio Armani faleceu em 4 de setembro de 2025, aos 91 anos. Em vida, preparou minuciosamente os rumos de sua herança. Seu testamento determinou que os sucessores deveriam vender parte da empresa ou, caso não surgisse um comprador de peso, abrir o capital da maison em bolsa de valores.
Segundo informações da Reuters, 15% da grife deverão ser vendidos em até 18 meses, seguidos de mais 30% a 54,9% em um prazo de três a cinco anos. Caso grupos como LVMH, L’Oréal ou EssilorLuxottica não assumam o controle, a alternativa será um IPO (Initial Public Offering), processo em que a marca se tornará pública e suas ações serão negociadas no mercado.
Abrir capital significa dividir o comando com investidores, que passam a exigir relatórios, transparência e retorno financeiro. É como transformar uma casa única em um edifício com múltiplos proprietários: ainda há um síndico, mas todos os condôminos querem voz ativa.
Esse movimento pode redesenhar não apenas o futuro da maison, mas também o equilíbrio de poder dentro do setor de luxo, em um momento em que a independência é rara e altamente valorizada.
A eternidade de Armani
Mais do que roupas, Armani deixou uma filosofia: o luxo da discrição, a elegância sem esforço, a beleza que não precisa gritar para ser notada. Ele provou que a moda pode atravessar décadas mantendo coerência e autenticidade.
Sua partida encerra um ciclo, mas sua estética e sua visão de mundo permanecerão como um dos maiores legados da moda contemporânea.
Eai, SF Reader? Será que a elegância atemporal de Armani vai sobreviver às próximas gerações?



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