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Mondepars: a perspicácia do extraordinário no simples

  • Eduarda Sodré
  • 12 de jun.
  • 5 min de leitura

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Quando decidiu batizar sua marca, Sasha Meneghel escolheu palavras de dois idiomas distintos, o francês monde (mundo) e o latim pars (parte), e as fundiu em Mondepars, termo que não apenas designa sua grife, mas encapsula um pensamento de pertencimento coletivo. A escolha revela a aspiração de construir algo que dialogue com o mundo de maneira sensível, consciente e conectada, indo além da estética superficial para tocar em dimensões de identidade e propósito. E se, no primeiro desfile, essa intenção já aparecia como um esboço promissor, foi no segundo, realizado no icônico Theatro Municipal de São Paulo, em 11 de junho, que Sasha cravou com firmeza seu lugar no mapa da moda nacional: não como figura simbólica ou herdeira midiática, mas como criadora madura de uma linguagem própria.


A coleção de Inverno 2025 da Mondepars se desenrola como um exercício de precisão e sensibilidade. A estilista, ao lado de sua equipe criativa liderada por Giovanni Bianco e com styling de Pedro Sales, apresentou uma proposta que une domínio técnico a uma poética visual refinada. A alfaiataria foi o fio condutor, e também o ponto alto. Silhuetas bem definidas com ombros marcados, cinturas estruturadas e volumes arquitetônicos evocaram uma linguagem formal, que se aproxima da rigidez escultural de Claude Montana, mas que aqui se suaviza por meio do uso inteligente de tecidos maleáveis e de cortes que acompanham, e não reprimem, o movimento do corpo.


Um dos méritos mais notáveis do desfile foi transformar o básico em extraordinário. Em vez de apelar ao exagero ou ao espetáculo gratuito, a Mondepars escolheu a precisão como ferramenta de impacto. É fácil confundir criatividade com caos, mas Sasha provou que inovação também reside na lapela bem moldada, na costura invisível, no corte enviesado com perfeição. O caimento limpo das calças, a ausência de rugas nas estruturas mais rígidas, a fluidez contida dos tecidos, tudo contribui para uma leitura de moda inteligente, controlada e, ao mesmo tempo, emocional.


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O trabalho com tecidos é, aliás, uma das marcas mais notáveis desta coleção. Lãs encorpadas, misturadas a seda de caimento fluido, resultaram em peças que equilibram densidade e leveza. Houve ainda o uso de texturas criadas a laser e acabamentos manuais, como nos couros trançados e nos crochês bicolores, que adicionam camadas de interesse sem cair na armadilha da ostentação gratuita. Em muitas construções, como nos casacos com lapelas duplas ou nas blusas assimétricas com fecho no ombro, a aparência de sobreposição é na verdade um efeito de modelagem engenhosa, que revela domínio absoluto da estrutura da peça. As costuras limpas, sem rugas ou distorções, e o caimento preciso mesmo em peças volumosas evidenciam o rigor técnico da Mondepars, um padrão raro, mesmo entre grifes consolidadas.


Outro destaque técnico foi a introdução de peças-conceito que, embora não comercializáveis, compõem um discurso visual coeso. Tops, bolsas e gravatas esculpidos em madeira remetem diretamente ao mobiliário modernista brasileiro dos anos 1960, evocando designers como Jorge Zalszupin. São objetos que flertam com o campo da arte, mais próximos de instalações do que de acessórios usuais, e que consolidam a conexão entre moda e design. Ainda nesse campo, a parceria com Alexandre Birman resultou na releitura do frenchie pump, evidenciando o interesse da marca em desenvolver um portfólio de calçados que mantenha o mesmo padrão técnico e estético das roupas.


É importante destacar que, se há um diálogo contínuo com o passado, especialmente com os anos 1980 e 1990, filtrado por um olhar afetivo sobre o acervo pessoal de Xuxa, ele nunca se impõe como nostalgia. As referências se traduzem em códigos novos: vestidos longos com estrutura de casaco, decotes geométricos, abotoamentos retrô, loafers de camurça e peças com detalhes de couro são menos citações diretas e mais reinterpretações maduras, transformadas em produto viável, elegante e funcional. É a memória sendo metabolizada, não apenas celebrada.


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Visualmente, a coleção mantém uma paleta de tons terrosos e neutros, cinza, marrom, verde-oliva, vermelho escuro, que transmite sobriedade, mas também sofisticação. Esse equilíbrio se estende às formas: há momentos de sensualidade contida, como nos vestidos de seda com costas abertas, e de leveza jovial, como nos conjuntos de lã com shorts curtos. E há, claro, os riscos calculados, como nos corsets estruturados que tensionam a silhueta com uma abordagem quase arquitetônica, peças que talvez ainda precisem de mais maturação, mas que revelam o desejo genuíno de experimentar. É nesse território de risco, onde não se tem apenas acertos fáceis, que uma marca começa a construir verdadeiramente sua identidade.


O cenário, a trilha e o ritmo do desfile foram cuidadosamente orquestrados para amplificar o impacto emocional da coleção. A entrada de Carol Trentini, icônica e poderosa, deu o tom da narrativa visual. Ao fundo, a regência do maestro João Carlos Martins, em uma de suas últimas apresentações, adicionava uma camada de solenidade rara. O gesto de Sasha nos bastidores, visivelmente comovida, encontrou eco nas lágrimas de Bruna Marquezine e no olhar orgulhoso de Xuxa, vestindo uma criação da filha. Não foi apenas um desfile, foi um rito de passagem.


Ainda assim, é impossível ignorar as críticas iniciais. Quando a Mondepars foi lançada, houve quem enxergasse ali apenas mais um projeto de népo baby, com acesso e capital, mas sem substância. Comparações injustas com Zara e The Row, que minimizavam o trabalho autoral de Sasha, foram comuns. Contudo, a resposta veio com a consistência do produto. A alfaiataria apresentada está, sem exagero, entre as mais bem acabadas vistas recentemente no Brasil. Costuras invisíveis, encaixe perfeito, modelagem precisa, características que fazem da Mondepars algo raro em um cenário onde muitas marcas apostam mais em marketing do que em técnica.


E sim, os preços são altos. A grife está presente em espaços elitizados e compete com marcas de prestígio. Mas a diferença é que, aqui, o valor não está apenas no nome. Está no respeito à matéria-prima, na responsabilidade com quem produz, na entrega ao consumidor. Em uma indústria saturada, onde sobram roupas e faltam ideias bem executadas, o simples fato de fazer menos, porém com excelência, já é uma forma de resistência.


Ao final, fica claro que Sasha Meneghel não está apenas ocupando um espaço por direito de herança. Ela está construindo um lugar por mérito. A Mondepars ainda está em formação, mas é justamente esse estado de transição, onde convivem apuro técnico, emoção verdadeira e intenção autoral, que a torna promissora. Que ela ainda busque uma assinatura mais própria, sim. Mas que já tenha o necessário para merecer um lugar de destaque: sensibilidade, consistência, habilidade e, acima de tudo, coragem de ser relevante sem precisar ser barulhenta.


Num universo em que tantas marcas gritam para serem notadas, a Mondepars sussurra, mas com a precisão de quem sabe exatamente o que quer dizer.




Eai, SF Reader? O que achou dessa coleção da Mondepars

 
 
 

1 comentário


Convidado:
12 de jun.

Achei tão sofisticado! Muito bem pensado

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