A cor como narrativa
- Eduarda Sodré
- 15 de mar.
- 3 min de leitura

A moda é uma forma de comunicação visual que vai muito além das formas e materiais. Entre tecidos, cortes e texturas, as cores desempenham um papel essencial na construção da identidade de uma coleção. Elas não são escolhidas ao acaso; cada tom transmite uma emoção, uma mensagem ou até mesmo um posicionamento diante do mundo. No universo das passarelas, estilistas usam paletas cromáticas para criar atmosferas, contar histórias e refletir o momento cultural em que vivemos.
Os tons utilizados nas coleções não são meros detalhes superficiais, mas sim a tradução de estados de espírito, conceitos e intenções dos criadores. O vermelho pode simbolizar força, paixão e energia. O azul remete à serenidade, confiança e estabilidade. O amarelo carrega em si uma vibração otimista e criativa. Entretanto, essas cores vão além de seus significados tradicionais quando aplicadas estrategicamente em uma coleção. Elas se transformam em narrativas visuais, ressignificam percepções e criam novas leituras dentro do universo da moda.
Um dos exemplos mais marcantes dessa ressignificação aconteceu em 1926, quando Coco Chanel revolucionou o vestuário feminino ao lançar o icônico "pretinho básico". Até então, o preto era associado exclusivamente ao luto e à seriedade. Chanel transformou essa visão, tornando a cor um símbolo absoluto de sofisticação, modernidade e versatilidade. A estilista afirmava que “uma mulher precisa de apenas duas coisas na vida: um vestido preto e um homem que a ame”. Com essa declaração, o preto passou a ser reconhecido como um elemento essencial do guarda-roupa feminino, consolidando sua presença na moda de forma definitiva.

Décadas depois, em 2022, Pierpaolo Piccioli, diretor criativo da Valentino, trouxe um tom inovador e impactante para suas criações. Conhecido como "Pink PP", esse rosa intenso foi desenvolvido em parceria com a Pantone e dominou a coleção Outono/Inverno da grife. Para Piccioli, o rosa tem o poder de redefinir a percepção do espaço e do corpo, sendo uma cor carregada de força e radicalidade. O impacto da escolha foi instantâneo, fazendo com que o Pink PP se tornasse um ícone de modernidade, individualidade e liberdade de expressão na moda.
Outro exemplo de como a cor pode ser utilizada para provocar reflexões e criar narrativas marcantes aconteceu com a dupla Viktor & Rolf. Na coleção Primavera/Verão de 2024, os estilistas apostaram no preto como a tonalidade predominante, explorando texturas desgastadas, cortes inesperados e um visual inacabado. A proposta da coleção transitava entre o caos e a construção, refletindo a efemeridade da moda e a ideia de transformação constante. Em um contraste absoluto, anos antes, em 2018, a marca apresentou uma coleção completamente branca, com peças que remetiam a estruturas arquitetônicas e volumes experimentais. Chamado de "Imaculada", esse trabalho representou uma investigação sobre pureza, formas e ironia dentro do universo fashion.

Em 2021, um outro tom ganhou força e se tornou um marco da identidade de uma marca. Sob a direção criativa de Daniel Lee, a Bottega Veneta introduziu um verde vibrante e saturado em sua coleção Primavera/Verão, rapidamente batizado de "Bottega Green". Mais do que uma simples escolha estética, o tom se consolidou como um símbolo de frescor, inovação e desejo. Tornou-se uma assinatura visual da grife e influenciou tendências ao redor do mundo, provando que a cor, quando bem trabalhada, tem o poder de definir a identidade de uma marca.
Além de despertar emoções e carregar simbolismos, as cores na moda também refletem momentos históricos, sociais e políticos. Durante a pandemia, os tons suaves dominaram as coleções, trazendo uma sensação de acolhimento e esperança em tempos de incerteza. Em contrapartida, em períodos de transformação social e protestos, cores marcantes como o vermelho vibrante ou o preto profundo surgem como manifestações visuais das tensões do momento. O uso dessas cores nas passarelas não apenas reforça discursos, mas também amplia vozes e sentimentos de grupos marginalizados ou em busca de representatividade.

Cada combinação de cores utilizada em uma coleção carrega uma narrativa única. Algumas remetem a revoluções, outras resgatam elementos tradicionais e reinterpretam clássicos. O fato é que a cor, dentro da moda, funciona como uma linguagem silenciosa, mas extremamente poderosa. Cada matiz escolhido é um gesto criativo, uma declaração visual e uma forma de expressão. Por trás de cada tom, há um estilista que, como um pintor diante de uma tela em branco, traduz suas emoções, ideias e visões do mundo em tecidos e formas.
Eai, SF Reader? Qual sua cor favorita?



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